Pare o mundo porque eu...

13 de abr. de 2020


Provavelmente quando você leu esse título, mentalmente você completou: "pare o mundo porque eu quero descer". Provavelmente porque esse deve ter sido seu desejo em muitos momentos, ou porque conhece a frase que é quase que clichê.
Pois bem... o mundo parou. Só que você não pode descer!
Um vírus surgiu, tomou proporção de pandemia, e parou o mundo. Mas ele não nos deu a opção de descer, ele nos deu a possibilidade de sentir. Sentir cada segundo, perceber nossos sentimentos. E agora? Agora, meus caros, precisamos nos haver com tudo isso!
Não se culpe se você não tem conseguido manter a vibe do pessoal que vem pregando a gratidão, o manter-se calmo e sob controle, e com sorriso permanente estampado no rosto durante a quarentena. Não se culpe se você vem oscilando entre dias (ou horas) de controle quase que total sobre o que sente e momentos quase que de surtos.
Tudo é novo. 
Tudo veio rápido. 
E virou a vida, da imensa maioria das pessoas, de cabeça para baixo.
Então, definitivamente, não se culpe.
Até mesmo as pessoas que estavam habituadas e tinham preferencia clara por ficar em casa, vem sofrendo de alguma forma, pois agora o "ficar em casa" é quase que lei, é obrigação. Foi imposto, e é por sobrevivência (mas não é este o tema deste texto).
Então, não se culpe.
Não há como simplesmente sair para trabalhar em um dia comum, e chegar em casa com a notícia de que no dia seguinte isso vai ser completamente diferente, aceitar e se adaptar automaticamente, como se simplesmente acionasse um interruptor que mudasse a direção.
Hoje você acorda, toma seu banho, o café da manhã, deixa os filhos na escola e segue sua rotina de trabalho. Amanhã você acorda seu trabalho precisa ser executado mais uma vez, mas da sala de sua casa, com seus filhos brincando, e ao som da Peppa Pig na TV. E como se não fosse o suficiente você, precisa se desdobrar para auxiliar os filhos com as tarefas e aulas online que vem sendo produzidas por professores que também vem tendo que se reinventar do dia para noite na tentativa de salvar um ano letivo que no mínimo vai ser marcante (se não for perdido). Preparar o almoço, organizar e limpar a casa. E por fim para manter o ritual de limpeza, quase que sufocante, que se instaurou a cada saída inevitável, a cada compra que chega do supermercado.
Não, isso não é tudo. Você precisa ainda dar suporte para seu esposo, sua esposa, ou outra pessoa que more com você, tem que inventar atividades que amenizem o tédio das crianças que não podem ir para escola, nem para o parquinho e se quer dar um abraço nos avós. Você precisa administrar saudades. Você precisa administrar tudo o que vem sentindo, precisa filtrar as notícias que chegam em enxurradas vindas de uma mídia que te deixa ainda mais confusa ao invés de clarear.
Então, definitivamente, não se culpe.
É muito provável que em alguns dias seja mais tranquilo, e você se saia muito bem. Mas é igualmente provável que em outros dias, ou momentos, você sinta uma raiva muito grande de tudo isso, ou talvez uma tristeza diferente daquela que sentiria em uma situação "comum" por assim dizer, e que por vezes se sinta totalmente impotente ou com muito medo. Vai ter momentos que vai desejar simplesmente acordar como se tudo isso tivesse sido apenas um pesadelo. E o que tenho para lhe dizer é: definitivamente, não se culpe! Isso é absolutamente normal, absolutamente natural.
Procurar reajustar sua rotina pode ajudar bastante. Assim como filtrar o tipo de informação e limitar o tempo exposto à elas, também podem ajudar. Revisitar suas lembranças, mudar o foco... tudo isso pode ajudar muito a amenizar o peso da pandemia, mas não vai evitar que em alguns momentos a angústia transborde! E não tem nada de errado nisso. Somos humanos, somos seres desejantes, somos sentimentos a flor da pele. Como não sentir o impacto de tudo isso pulsando dentro de nós?
Então, definitivamente, não se culpe.
Muitas pessoas vem lidando bem com tudo isso. Mas muitas outras vem tendo bastante dificuldade. E se, reconhecer que precisamos de ajuda e buscar um profissional nunca foi sinal de fraqueza, agora é menos ainda. Não exite! Está difícil para você, para mim, para todos nós, em um grau ou outro.
O mundo parou, e não podemos descer. Mas podemos nos dar a oportunidade de voltar os olhos para o que sentimos, para nós mesmas e reconhecer que não podemos ter controle de absolutamente tudo a todo instante. O mundo parou, e não podemos descer. Mas podemos mostrar para nós mesmas, que mesmo sendo fortes, também podemos pedir colo, buscar conforto e apoio em nossa rede, e se necessário buscar ajuda de um profissional para nos ajudar a encontrar caminhos, a nos encontrar no meio dessa reviravolta que o mundo deu.
O mundo parou, não podemos descer, mas podemos respirar fundo e não nos sentir culpadas... pelo menos não por estar sentindo tudo isso.

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