Quando a mãe fere

6 de mai. de 2021


O conceito da maternidade perfeita, cor de rosa e do tal instinto materno, vem perdendo cada vez mais espaço, em um mundo onde as redes sociais parecem dar voz às mulheres que sabem que a maternidade é,  por várias vezes, um desafio e outras tantas que se veem realizadas optando por outras formas de ser que "não mães". 

E é este cenário que nos possibilita conhecer o que de fato existe para além dos ideais do "instinto materno" e dos livros de como criar filhos perfeitos. Encontramos também espaço para falar de uma maternidade que costuma ser velada, até que chegue nos consultórios nos relatos de filhos e filhas vítimas de mães abusivas. 

O pediatra e psicanalista inglês Donald Winnicott, trás com excelência o termo "mãe suficientemente boa". O que para ilustrar aqui de maneira muito breve, nada mais é do que aquela que acolhe e consegue dar segurança emocional aos seus filhos, mas também entende e consegue transmitir à eles a ideia de que eles não são uma extensão sua. É a mãe que consegue fazer com que seus filhos se sintam seguros e amados, mas entende que por vezes precisa frustrá-los, lhes ensinando que precisam por vezes esperar, que nem sempre todos os seus desejos serão atendidos e que eles (mãe e filhos) são pessoas separadas e não extensões um do outro.

Abordamos aqui, de maneira breve, este conceito para entendermos o que de fato seria a mãe ideal, ou ao menos uma mãe saudável por assim dizer. Mas na prática, além dessas, encontramos outras tantas mães... narcísicas, histriônicas, dominadoras, super-protetoras, depreciativas, absorventes, ausentes: as mães tóxicas.

Mães que sufocam seus filhos em seus ideias e acabam por criar filhos adoecidos. E talvez neste ponto você esteja se perguntando: e os pais nunca são tóxicos? Sim! Encontramos também pais tóxicos, mas como o primeiro acolhimento humano é oferecido pela função materna e visto que as telas neste momento já se encontram recheadas de propagandas de dia das mães, onde mães são idealizadas e em casa filhos e filhas sofrem por não ver nada daquilo nas suas, é sobre as mães que conversaremos  hoje por aqui. 

Para que possamos entender em um primeiro momento quem é a mãe tóxica, podemos começar pontuando que ela é aquela que estabelece uma relação abusiva com seus filhos. Uma relação na qual ela exige (de modo consciente ou inconsciente) que seus próprios desejos e necessidades, estão acima de qualquer coisa naquela relação, ao mesmo tempo que diz ama-los e faz deles meios para realizar seus anseios.

A mãe tóxica sempre se mantém no lugar daquela que tem controle absoluto sobre tudo o que diz da vida dos filhos. E para isso faz uso de manipulação, de humilhações e outras ferramentas que aniquilam a autoestima dos filhos, os mantendo sempre no controle e dependência daquela mãe (que neste momento já se impôs como a pessoa mais importante do mundo e insubstituível na vida deles).

Outras ferramentas muito comuns são a chantagem emocional e a manipulação, conduzindo a relação de forma que os filhos se mantenham sempre no lugar daqueles que são culpados, elas usam discursos que fazem os filhos sempre acatarem ao que querem e atender as suas demandas. Qualquer movimento oposto que o filho faça, é taxado e exaltado por ela como uma traição (traição ao amor materno àquela que está acima de qualquer coisa).

O filho que se "atreve" a questionar ou fazer qualquer movimento que possa o levar ao crescimento ou a libertação da opressão da mãe tóxica, é visto por ela como rebelde, como uma ameaça,  e logo ela cresce na relação na tentativa de sufocar todos os movimentos e bloquear as ameaças. 

Para a mãe controladora, o anseio do(a) filho(a) de crescer, casar e/ou construir a própria família é vivenciada como uma traição ao seu “amor materno”.  Qualquer movimento de independência e liberdade é visto como uma ameaça que deve ser combatida.

Ela sufoca, oprime, controla, manipula e faz chantagens. Mas os filhos seguem enredados, pois não tem voz e nem mesmo espaço para que possam olhar para o que sentem e/ou vivendo. Além do que: quem pode questionar o amor de mãe?

É extremamente desafiador cortar o cordão umbilical com essa mãe tóxica, visto que ela é sedutora e se apresenta como a melhor mãe do mundo sempre que se sente ameaçada.

As mães tóxicas e abusivas costumam parecer pessoas comuns. E suas atitudes passam camufladas como formas de cuidado, aquele discurso do "é para o bem dos meus filhos". Elas nem sempre usam da agressão física (ao menos até certo momento), mas podem chegar a este ponto caso sintam que estão perdendo o controle sobre a relação. E é muito comum que elas desqualiquem os filhos, colocando em cheque suas potencialidades, e fazem de tudo para mantê-los na posição de "vítimas de todos os outros (mas jamais dela)" e fragilizados.

Elas costumam se colocar no lugar de super-heroínas para mostrar para os filhos que eles devem confiar apenas nelas. E assim vão criando filhos que tendem a ter baixa autoestima, ter transtornos alimentares, transtornos depressivos e de ansiedade, e mais tarde tentem a se submeter a outros relacionamentos abusivos.

Se você sofre por não ver em sua mãe aquela imagem da mãe idealizada que os comerciais apresentam e a sociedade reforça, ou se você identifica alguma indício de relacionamento abusivo na sua relação com sua mãe (mesmo que hoje já não viva com ela), não tenha medo de buscar ajuda profissional.

E lembre-se: 

  • Você não é culpado
  • Buscar ajuda não vai fazer de você uma pessoa má ou ingrata
  • Romper o cordão umbilical não significa que você não ama mais a sua mãe 
  • O "problema" da relação não é você, e sim está ligado à personalidade dela

Um processo de psicoterapia poderá lhe ajudar a perceber de maneira mais clara tudo isso, poderá oferecer à você espaço para encontrar seu espaço e sua voz, e por fim lhe vai lhe dar a possibilidade de resinificar e se haver com suas angústias.


2 comentários

  1. Meu Deus... descreveu a minha mãe inteira. Só quem passa por isso sabe o quanto dói, e você não pode se queixar para ninguém, porque vão te chamar de ingrato.

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