Controle não é sinônimo de cuidado

3 de jun. de 2021




"Bati os pés

Quando você quis

Tomar a direção

Que eu não planejei

Tenho todos os seus passos contados

Como é que você quer sair assim

Se eu nunca deixei nada faltar"

(Música Origami  - Mar Aberto)

 

Quando falamos em relacionamento abusivo, o que vem à suas cabeça?

Dor, gritos, violência física, abusos físicos?

Sim! Tudo isso pode fazer parte de um relacionamento abusivo, mas muitas vezes as coisas são muito mais sutis. E o primeiro ponto a ser lembrado aqui é: um relacionamento abusivo, é qualquer relacionamento onde uma das partes é limitada e agredida seja física, ou emocionalmente.

Muitas vezes a pessoa que vivencia um relacionamento abusivo, sem violência física demora muito mais tempo para perceber o que está acontecendo, e acaba se mantendo em sofrimento justamente pela "sutileza" de seu abusador. Eles manipulam e conseguem muitas vezes conduzir os relacionamentos fazendo com que as vítimas se sintam culpadas.

Eles usam um discurso sempre cheio de artifícios para camuflar a real intenção de seus atos. E aí nós deparamos com as justificativas do "é porque eu te amo demais", "tudo que faço é para o seu bem", "eu sempre estou do seu lado".

Por de trás dessas falas vemos atitudes de ciúme excessivo, de controle sobre escolhas, sobre as roupas, sobre o que ela pode fazer,  com pode ou não conversar e até mesmo sobre os lugares onde pode ir.

Privacidade é algo que deixa de existir já no início de um relacionamento abusivo. O abusador sempre encontra formas de invadir o espaço do outro. Programas de rastreamento, exigir compartilhamento de senhas (ou mesmo roubo das mesmas), obrigação de compartilhar absolutamente todos seus passos, planos e pensamentos. O discurso é o do: "Quem ama de verdade não tem nada para esconder". Porém é uma via de mão única, já que o abusador segue tendo sua privacidade garantida. O que ele quer na verdade é mais uma vez manter o controle sobre a vítima, já que mesmo com discurso de amor e cuidado, ele não confia na pessoa.

No início da relação a pessoa é gentil, educada, e demonstra um cuidado e preocupação (aparente) com o bem-estar da parceira. Logo isso vai saindo de cena e vai dando espaço para as "críticas construtivas", a vítima vai tendo sua autoestima esmagada e se sentindo cada ve mais incapaz de fazer qualquer coisa com acertividade. Ao mesmo tempo todos os sentimentos da vítima são invalidados, tudo que sente é visto como bobagem, besteira ou exagero, e a própria vítima começa a acreditar nisso, se culpando e se impedindo de fazer movimentos para se libertar daquilo que a faz sofrer.

Aos poucos ele vai afastando sua vítima das outras pessoas, a fim de garantir que ela não tenha uma rede de apoio ou qualquer outra pessoa que possa confiar. "Tal pessoa não é uma boa influência", "Fulano não gosta de mim", "Ele sempre dá em cima de você", "Suas amigas estão te explorando"... e assim ele vai garantindo que sua vítima fique desamparada e cada vez mais dependente dele.

Algumas das armas mais comuns do abusador são a chantagem emocional e a manipulação. Ele oprime sua vítima e mesmo assim, sempre se coloca no lugar daquele que é o mais fraco e que está sofrendo. E ao mesmo tempo a vítima vai tendo seu lugar de culpada sempre reforçado.

Outro ponto muito comum neste tipo de relacionamento é o abuso financeiro. O abusador pode fazer coisas para impedir que a vítima tenha seu próprio dinheiro e assim fique ainda mais dependente dele. Ou por outro lado, pode explorar a parceira, exigindo através de chantagens ou manipulação que ela pague coisas que para ele, e até mesmo "preste contas" justificando onde usou seu próprio dinheiro. Mais uma vez fazendo uso de discursos de zelo e preocupação.

Infelizmente chega o tempo em que o abusador deixa de ser tão sutil em suas ações e então começam as ameaças, as agressões físicas e os abusos sexuais. Mas, mesmo nesta fase, ele segue usando depois dos episódios de agressão os discursos de manipulação, que simulam arrependimento, prometem mudanças (e por um tempo até disfarçam sua postura para simular a tal mudança). Suas falas de justificativa sempre conduzem situação colocando a vítima como culpada e seguem jurando ter feito tudo por amor e cuidado. 

Se você identificou algum desses traços em seu relacionamento, não tenha medo de buscar ajuda. Identifique e fortaleça (ou ainda procure construir) uma rede de apoio, busque cuidados para sua saúde emocional e então resgate sua força, sua voz e sua autoestima. Não se sinta culpada por ter se envolvido ou se mantido em um relacionamento abusivo. E lembre-se de que você tem o direto de corrigir a rota e escrever uma história diferente a qualquer momento. Busque ajuda! 

Caso você perceber que alguém que vem vivendo um relacionamento abusivo, procure acolher e amparar a vítima, e ajude ela a buscar ajuda. Procure não julgar! A vítima de um relacionamento abusivo precisa de socorro e não de mais dedos apontados.

É com amparo, e fortalecimento que quebramos ciclos de abuso. Não se cale, não se culpe, busque ajuda.

Postar um comentário